quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Tim Tim*


Afirma um princípio zen que a gente encontra o caminho correto quando desaparecem os obstáculos. Embora longe, mas muito longe mesmo, de direcionar minha experiência a partir de referências budistas, confesso certa simpatia pela idéia do espontâneo, do natural, do livre. Da mesma forma, abomino algumas pérolas do pensa/sofri/mento judaico-cristão, sobretudo a clássica: só tem valor quando é bem difícil. Mesmo marcado por imprevistos e surpresas 2009 curiosamente me ensinou o sentido da palavra fluidez:

:: nada como, após seis anos de distância geográfica, encontrar a mesma cumplicidade para as bobices deliciosas, as rabugices necessárias, a irmandade irrestrita.

:: nada como perceber que algumas pessoas e cenas e experiências, ainda que raras, permanecem com o mesmo viço, à revelia da ferrugem do tempo.

:: nada como se empenhar na profissão e ver que ali tudo flui sem amarras, para frente, com comprometimento e prazer.

:: nada como reencontrar “alguéns” do passado, que ressurgem com o frescor do presente, sobretudo quando ainda somos capazes de compartilhar nortes e sensações.

:: nada como conhecer pessoas novas e perceber que elas sempre estiveram ali, amigas, irmãs, amigas-irmãs, ainda que não fisicamente.

:: nada como perceber que certas coisas a gente não esquece, mesmo que se valha das borrachas mais potentes.

:: a vida nunca deixa de oferecer presentes.

* às novidades do verão (movimento é felicidade).

** um dezembro de flores pra todo o mundo.

*** Pai, mãe, Júnior, Pati, Maria, Vó Júlia, Vó Helma, Mano, Eve, Lorenzo, Lara, Davi, Carol, Sana, Carine, Lizi, Larinha, tia Ana, Luciéli, Camila, Alva, Polyca, Caiane, Jú, tio Gelson, tio Neuro, tia Silvia, tia Ulce, Vanessa, Felipe, Joãozinho, Gabriela, Samuel, Tana, Binho, Evandro e todos meus amigos e colegas: vocês fizeram muito por mim até aqui. Obrigada sempre.
Um 2010 de flores pra todo mundo. Que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce.

Feliz Natal!

Beijo no coração de todos!

Amo vocês! :)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

uma manhã despenteada

Lição para pentear pensamentos matinais
(Caio Fernando Abreu)

Pensamentos, como cabelos, também acordam despenteados. Naquela faixa-zumbi que vai em slow motion, desde sair da cama, abrir as janelas, avaliar o tempo e calçar os chinelos até o primeiro jato da torneira – feito fios fora de lugar emaranhando-se, encrespam-se, tomam direções inesperadas.Com água, mão, pente, você disciplina cabelos. E pensamentos? Que nem são exatamente pensamentos, mas memórias, farrapos de sonho, um rosto, premonições, fantasias, um nome. E às vezes também não há água, mão, pente, gel ou xampu capazes de domá-los. Acumulando-se cotidianas, as brutalidades nossas de cada dia fazem pouco a pouco alguns recuar – acuados, rejeitados – para as remotas regiões de onde chegaram. Outros como cabelos rebeldes, renegam-se a voltar ao lugar que (com que direito?) determinamos para eles. Feito certas crianças, não se deixam engabelar assim por doce nem figurinha.

Pensamentos matinais, desgrenhados, são frágeis como cabelos finos demais que começam a cair. Você passa a mão, e ele já não está mais ali – o fio. No travesseiro sempre restam alguns, melhor não olhar para trás: vira-se estátua de cinza. Compacta, mas cinza. Basta um sopro.
Pensamentos matinais, cuidado, são alterados feito um organismo mudando de fuso horário. Não deveria estar ali naquela hora, mas está. Não deveria sentir fome às três da tarde, mas sente. Não deveria sentir sono ao meio-dia, mas. Pensamentos matinais são um abrupto mas com ponto final a seguir. Perigosíssimos. A tal ponto que há risco de não continuar depois do que deveria ser uma curva amena, mas tornou-se abismo.

E só vamos em frente porque começam a acontecer urgências. Enquanto a manhã dispara e o telefone toca e a campainha soa e as crianças vão precisam sair para a escola e o relógio de ponto ou qualquer coisa assim – incluindo os outros, sobretudo os outros – não esperam. Nada espera, ninguém. Você lava o rosto, finge não ter visto coisa alguma. É possível também ligar o rádio. Um banho frio, o café feito uma bofetada. Há pensamentos-matinais-despenteados que põe o rabo entre as pernas e dão o fora, mas outros – mulheres de Nelson Rodrigues – adoram apanhar.

Quanto mais você bate, mais ele arreganha os dentes e intica para apanhar mais. Isso magnetiza e atrai outros pensamentos, ainda mais descabelados e até então escondidos. Se era um nome, vem um sobrenome. Se era um rosto, vem a textura da pele, um cheiro um jeito de olhar. Se fantasia, ganha cor, e assim por diante. Pensamentos desse tipo são quase sempre proustianos: loucos pelo velho e bom tempo perdido.

Soluções mais grosseiras, há. Como papel higiênico, amarrotá-los, jogá-los na privada, dar descarga. Acontece que descargas, não quero parecer alarmista, às vezes entopem. E devolvem justamente aquilo que deveriam levar embora, num comportamento que é o avesso daquele para qual foram programadas. Ah, o avesso, esse é o problema. Pensamentos assim são um sintoma do avesso. E o avesso é a superfície correspondente, igual em tamanho e forma, a tudo aquilo que você considera o direito. Conhecer de cor-e-salteado o direito absolutamente não dá direito a conhecer também o outro lado. Sinto muito, mas ele sempre está lá. Incógnito, invisível, inviável. In, enfim.

Por ser assim, desordena-se. Pelas manhãs, mesmo que o de-manhã de alguns aconteça às seis da tarde. Mesmo nos calvos, a cabeleira abstrata pode amanhecer tão eriçada quanto a da Medusa. E se em vez de veneno as cobras tiverem mel? Tudo depende não me pergunte de quê. Só sei que deve-se olhar direito nos olhos deles, tocar sem nojo nem medo suas mãos cobertas de musgo, teias de aranha. Passar num susto a mão pelos cabelos, reais ou não. Deve-se sempre com a doçura e paciência possíveis nessas situações, mudar rápido de assunto. Ou cair no poço.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

meditação


Quem acreditou / No amor, no sorriso, na flor / Então sonhou, sonhou... / E perdeu a paz / O amor, o sorriso e a flor / Se transformam depressa demais / Quem, no coração / Abrigou a tristeza de ver tudo isto se perder / E, na solidão / Procurou um caminho e seguiu, / Já descrente de um dia feliz / Quem chorou, chorou / E tanto que seu pranto já secou / Quem depois voltou / Ao amor, ao sorriso e à flor / Então tudo encontrou / E a própria dor / Revelou o caminho do amor / E a tristeza acabou.

* sábio mestre Tom!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Pra você!


Quando vi você pela primeira vez, não havia dores, nem susto, nem marcas. Um futuro inteiro, redondo e completo animava-se a surgir com a sua presença.
Grandioso, insinuava-se no horizonte da vida.

Nos gostamos de primeira, é fato. Éramos iguais, já ali, mas ainda nem desconfiávamos da benção. Não sei precisar as palavras de estréia, talvez um olá, quer uma coca-cola?, baixinho pelas maravilhas naturais que nos cercavam. Estranhamente você nunca havia me despertado antes. E acho até que nem vislumbrava a minha presença.

Você adorava cozinhar, eu adorava saborear. Você se sentava na beira do riacho, rodeado pela meia dúzia de amigos ali presentes, amigos saudosos que continuam tão próximos, como se estivessem aqui. Eu desfilava pra lá e pra cá, ansiosa por enredos e aconchego, órfã de tantas coisas. Você gostava de rock, eu apreciava a Bossa Nova e canções sessentinas.

Um dia, entre uma conversa e outra, reparei o ritmo pausado e calmo das suas frases, o sorriso de canto, um tanto oblíquo, receoso de exibições públicas; eu com a mania de falar e falar e falar, embora apenas a um punhado de raros merecedores, e descobri: você já era um grande amor.

Como num raríssimo passe de mágica, você chegou à mesma conclusão. Iniciamos, então, uma rotina própria: voltinhas desnorteadas na Beira-mar, conversas soletradas, Beatles ao lado da caixa de som, olhares inclinados, revistas devoradas, trabalhos acumulados, idéias estapafúrdias - aquela sintonia afinada e fresca, nossa companheira até hoje.

Você sempre estava ali, segurando as minhas mãos, cobrindo de permanências. Eu já sabia que podia contar com você. Eu já encontrava você ali, comigo, em mim, como nunca havia acontecido.

Você me dava as mãos, num gesto tão espontâneo quanto discreto, à sua maneira. Como se não pudesse ser de outro jeito, como se já estivéssemos atrasados naquele encontro. Trocamos e-mails, idéias, almas, histórias, aprontos inconfessáveis. Você sempre foi minha única censura – ao menos a que escuto, com paciência.

Ouvi-lo falar, mesmo as besteiras mais descabidas, mesmo as teimosias mais infundadas, mesmo as defesas mais apelativas, mesmo as habituais ironias sobre mim mesma, será sempre a suspensão de uma solidão as vezes persistente.

Porque nada mudou depois desses anos: as briguinhas, feito crianças, os embates que atormentam tantas madrugadas, a cumplicidade absoluta – tudo aqui, entre nós.

Continuamos perseguindo a mesma paisagem, quase sempre uma paisagem que só a gente conhece, a salvo dos olhares dos outros todos. Continuamos incapazes de explicar nossa fraternidade especial e gratuita, espontânea como tudo o que é de verdade, a salvo da crueldade do mundo. Eu não tenho você somente como amigo, querido. Há anos eu tenho um amor.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

trechinhos


"Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder.Tudo é tão vago como se não fosse nada."

(Caio Fernando Abreu, em Os dragões não conhecem o paraíso)

à Maria, que seja doce e assim por diante!!

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Acerca de mim

Pisciana, chorona e intensa. Minhas opiniões me remetem apenas a sentimentos inexplicáveis, não a teses de terceiros, embora as vezes a coincidência ocorra. Nunca lutei para corresponder às expectativas alheias. Meu defeito é a paciência, pequena demais. Minha qualidade é a coragem, embora oriente tantos desatinos. Vivo tudo até o fim, às custas do que for. Já fui estagiária, estudante obstinada, filosófica e sonhadora. Hoje sou advogada, pós-graduanda e retomo, felizmente, meus estudos. Aprendi muito cedo a abandonar o essencial sem olhar pra trás, mas sempre levei a saudade comigo. Gosto de música boa, romances, cinema, comida bem feita e ainda quero aprender a cozinhar. Aceito minhas cicatrizes. Adoro conversas esticadas, unhas feitas e novos horizontes. Nunca tive heróis. Acredito que os grandes homens fizeram o que era pra ser feito quando deveria. Adoro meu afilhado, minhas comadres, todos os meus primos e amigos. Levo tudo a ferro e fogo, mas nunca perdi a fé. Vivo à procura de coisas que não conheço o nome. Me reconheço na dúvida e no abismo, nos estudos e no susto, nas buscas e no empenho. Posso dizer que escolhi toda a dor e todo riso. Guardo em mim uma máxima de Nietzsche que, na minha modesta opinião, é o único escritor de livros de auto-ajuda: "dizer sim à vida".